Tarifa zero: de proposta do PT à resposta à crise do transporte

Entrevista coletiva da então prefeita Luiza Erundina e do secretário de Transportes Lúcio Gregori sobre a tarifa zero para os ônibus em São Paulo (SP), em 1990 Crédito, Acervo CSBH/FPA
Entrevista coletiva da então prefeita Luiza Erundina e do secretário de Transportes Lúcio Gregori sobre a tarifa zero para os ônibus em São Paulo (SP), em 1990 Crédito, Acervo CSBH/FPA

A ideia de oferecer transporte coletivo gratuito à população — conhecida como tarifa zero ou passe livre — surgiu no início dos anos 1990, durante a gestão de Luiza Erundina (então no PT) à frente da Prefeitura de São Paulo. Embora a proposta não tenha avançado na época, hoje ela é realidade em mais de 130 cidades brasileiras.

A proposta foi elaborada pelo engenheiro Lúcio Gregori, secretário municipal de Transportes à época. Inspirado pela lógica da coleta de lixo — custeada com recursos públicos e oferecida sem cobrança direta ao cidadão — Gregori propôs aplicar o mesmo modelo ao transporte coletivo: em vez de pagar por passagem, os custos seriam cobertos por impostos municipais.

“Quando o lixeiro passa, ninguém paga na hora. Isso é financiado por uma taxa ou parte do IPTU”, lembrou Gregori em entrevista à Fundação Rosa Luxemburgo. “Pensei: por que não fazemos o mesmo com os ônibus?”.

Sem apoio político na Câmara e enfrentando resistência dentro do próprio partido, Erundina não conseguiu levar a proposta adiante. A ideia, no entanto, ganhou novo fôlego anos depois, com o surgimento do Movimento Passe Livre (MPL), fundado em 2005. Inicialmente focado na gratuidade para estudantes, o movimento passou a defender a tarifa zero universal, se tornando nacionalmente conhecido durante os protestos de junho de 2013.

Mesmo sem ter conseguido implementar a política enquanto prefeita, Luiza Erundina seguiu atuando na pauta. Como deputada federal, foi autora da proposta de emenda constitucional que incluiu o transporte como direito social na Constituição Brasileira. A alteração, promulgada em 2015, estabeleceu o transporte como um direito ao lado de saúde, educação, trabalho e moradia — abrindo caminho para políticas públicas mais amplas no setor.

Apesar da origem ligada à esquerda e a movimentos sociais, a tarifa zero vem sendo adotada por diferentes administrações — muitas vezes como resposta à crise do setor de transporte coletivo. A queda no número de passageiros, agravada pela pandemia, pressionou prefeitos e empresários a buscar alternativas. Em muitos casos, a gratuidade passou a ser vista como solução para manter o sistema funcionando.

Esse cenário, no entanto, revela também contradições locais. Em João Monlevade (MG), por exemplo, o Partido dos Trabalhadores — legenda responsável por originar a proposta da tarifa zero — está à frente do governo municipal, mas optou por não implementá-la. Em vez disso, em 2024, a atual gestão subsidiou diretamente a concessionária do transporte coletivo com cerca de R$ 13 milhões, sem garantir gratuidade integral aos usuários. A medida, que beneficia a empresa privada sem garantir acesso universal ao serviço, tem gerado críticas e levantado questionamentos sobre a coerência da política adotada com os princípios históricos do partido.

Atualmente, segundo levantamento da NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos), ao menos 136 cidades brasileiras oferecem algum modelo de transporte público com tarifa zero, total ou parcial — muitas delas com menos recursos do que grandes centros urbanos.