Eu sou um espectador sozinho
Não ouço, não cheiro,
Não penso, não sinto
Ao menos os olhos me pouparam
Presencio hoje e ontem a alomorfia humana
Vejo a queda da justiça e a ascensão da tirania
Percebo seu futuro dantesco, traçado pela inevitável ordem natural
Estou aliviado por ser uma mera testemunha
Em minha verdade eterna e imutável
Sou apenas um sentinela solitário
Não durmo, não como,
Não vivo, nem sobrevivo
Ainda assim, não morro, simplesmente inexisto
Apenas me restam os olhos
Com frequência a monotonia me consome
Já não me afetam a carnificina e a crueldade habituais
Sou invulnerável, inalcançável, insustentável e inválido
Contudo, me fragilizo na hipocrisia social
Abomino a métrica perfeita de suas vidas mentirosas
Entretanto, dela me alimento
Tornei-me um eremita, contemplo o vale do qual não consigo sair
Não aspiro, não crio,
Não falo, não amo
Apenas rendo-me aos elementos da trama
Lamentavelmente me cederam os olhos
Hoje,
Desperto-me de sonos de insônias
Assisto a futilidade em seu ápice
Vejo o ódio se alastrar
E advogo uma sociedade putrefata, perante sua segregação iminente
Eu sou uma criança da terra, um espectador sozinho, um paradoxo complexo e rinitente
Não busco, não sei,
Não sou e não vejo
Espero, ao menos, ser encontrado por outro espectador que ouça minha voz inaldível
E, num ato de benevolência, me liberte desses dejavus psicodélicos de incoerência e resplandecência
Para que eu retorne aos braços maternais da alienação e me arranquem os olhos que tanto conflitam
Arthur Rossi Lima Ferreira. Estudante do Curso de Medicina Veterinária da PUC/MG