Rompendo o silêncio em meio à quarentena, gostaria de refletir sobre o papel do grande Leviatã Hobbesiano, o Estado, que ora é defendido pelos individualistas que maldizem o Judiciário e o Congresso, em nome de um poder soberano ilimitado de um executivo, diminuto, em competência, conteúdo e respeito, diante da forma com que lida com a vida humana. As questões que ecoam são: deve o Estado estar a serviço de quem? Do “mercado/economia” ou das pessoas? A partir de quando o mercado se tornou mais importante que as pessoas? Alias, essa é uma pergunta que Milton Santos já fazia. Aqui não vai uma solução simplista do tipo pára tudo mesmo e estará tudo cegamente resolvido, como tenta a milícia digital acusar aqueles que defendem o isolamento, seja por um entendimento lúcido daqueles que bem conhecem a perspectiva de saúde pública ou mesmo pelo simples instinto de sobrevivência daqueles não são tão esclarecidos, todos estão sendo peremptoriamente atacados pelas milicias digitais. Ademais, de certo que parar tudo vai gerar uma resseção econômica grande. Mas, fico me perguntando, onde estavam os defensores dos pobres, miseráveis, e daqueles que ficarão desempregados com essa possível recessão, quando esse mesmo executivo que hoje defendem, em nome da economia, cortou significativa parcela do Bolsa Família, reduzindo o BPC, deixando pessoas com deficiência, idosos e grávidas em condições absolutamente precárias, o que disseram estes defensores da economia?
Outras perguntas que ecoam de modo intermitente em meus pensamentos são: por que os que gritam em nome da economia não quebrar, não levantam a voz contra o repasse de milhões do executivo para salvar planos de saúde, aeroportos que foram privatizados, bancos (bolsa empresário pode, bolsa familia para pobre não, entendi…), em meio à imensa crise de pandemia em que os heróicos soldados do SUS têm enfrentado bravamente não só a pandemia (servidores estes que foram imensamente atacados por este mesmo executivo que os chamou de privilegiados até conseguir a tal reforma da previdência), mas toda a guerra de informação que funciona como um profundo desserviço à tarefa que estão desempenhando. E a Classe Média vai aplaudi-los das janelas, os servidores precisam de mais do que aplausos, precisam de respeito e valorização do seu trabalho, pois os servidores do SUS, das forças de Defesa e Proteção Social, são a linha que está no fronte agora em nome de todo o coletivo, e, é o que me faz lembrar, que a Defesa do SUS deveria ser um valor e um princípio de garantia da existência, e a luta deveria ser pelo entendimento de que saúde é um direito essencial à vida humana, e, portanto, deve ser obrigatoriamente público, e defendido pelo público. Pois ainda que detentores dos melhores planos de saúde, não fosse o SUS, estariam como diante do COVID-19? Fora outras áreas como vigilância em saúde, sanitária, socorro em via pública, etc. Defender o SUS é uma obrigação de cidadania do brasileiro, pois é a maior e mais profunda em alcance política social da história do país. Por que então, a defesa da economia não é feita a partir da luta pela taxação das grandes fortunas? Pois somos um dos poucos países do mundo onde isso não ocorre, nos tornando um verdadeiro paraíso para as pessoas que enriquecessem a partir da exploração dos trabalhadores, acumulam mais valia, têm grandes fortunas, heranças, bens móveis e imóveis de luxo e não pagavam impostos, enquanto que o brasileiro comum, trabalhador normal, é supertributado nos bens essenciais a sua sobrevivência, como alimentação, medicamento e transporte, e ainda de quebra tem um imposto de renda que lhe leva 1/3 do seu rendimento anual, enquanto que as grandes fortunas passam ilesas, inclusive dos comentários e ataques dos defensores da economia ante a necessidade da defesa da vida. Ah, não posso esquecer que, muitos dos que defendem a economia´na lógica do custe o que custar, inclusive se custarem muitas vidas, “ainda que sejam na maioria dos idosos, o que importa é salvar a economia para que não haja recessão”, logo me vem a questão da luta das mulheres pela descriminalização do aborto, que trata de uma questão de saúde pública em caráter amplo, e em particular, trata-se do direto da mulher exercer seu poder sobre seu próprio corpo. No entanto, logo a turma que hoje defende de forma alvissareira a economia no custe o que custar, ainda que sejam muitas vidas, esquecem que juraram e foram ferozes na defesa do que chamaram de direito à vida contra o aborto. Vejam, que, além de não se tratar da mesma dimensão, há ainda a questão da proporcionaliade, que atribui a necessidade de parar toda economia em nome da vida como condição sine qua non já que a vida é o maior valor a ser defendido ou não?
Compartilho o relato de um médico do SUS que está na linha de frente no combate ao COVID-19 e mostrando porque a vida ainda é mais importante que a economia. A despeito de entender os limites de uma crise econômica, fico com Bill Gattes, “a economia podemos recuperar, já as vidas…”
Autor: Marcelo Luciano Vieira
- Professor do departamento de Serviço Social da PUC-Rio e Coordenador de Pesquisas do Decanato de Ciências Biológicas e da Saúde;
- Líder do Grupo de Pesquisa Josué de Castro;
- Major Assistente Social Bombeiro Militar do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro.