A Viagem do Martelo no Leito do Watú: Um Percurso entre “Cachoeiras, Antropófagos e Imatós (Botoques)” 18 de setembro de 1827

Tendo em vista as dificuldades de navegação, Marlière atendeu com víveres, doze canoas e alguns índios botocudos civilizados
Marlière atendeu com víveres, doze canoas e alguns índios botocudos civilizados

Em 1826, o engenheiro João de Monlevade lançou as bases de sua ousada empreitada: a construção de uma fábrica de ferro nas terras mineiras. O projeto, que visava alavancar a produção metalúrgica da região. O plano foi definido: as máquinas encomendadas por Lourenço Aquiles Lenoir, sócio de Monlevade, na Europa em 1824, deveriam ser conduzidas rio acima, pelo leito do Rio Doce, conhecido pelos indígenas Botocudos como Watú. No dia 18 de setembro de 1827, a viagem épica começou. A pesada carga, com mais de sete mil quilos, foi embarcada no Rio de Janeiro em uma sumaca, embarcação de pequeno porte, acompanhada de escoltas militares para garantir sua segurança.

Ao longo dessa jornada diversos desafios aguardavam a tripulação. O trajeto era permeado por surucucu venenosas, onças (jaguaruçu), cachoeiras traiçoeiras e áreas habitadas por tribos consideradas antropófagas, – os indígenas Botocudos que usavam botoques nos lábios e orelhas. Esses grupos, conhecidos pela resistência à colonização, guardavam segredos e perigos para qualquer aventureiro que se atrevesse a navegar em suas águas.

Em 12 de novembro de 1827, o engenheiro Lenoir, em Vitória, solicitou a ajuda do francês Guido Thomaz Marlière, comandante dos Quartéis do Rio Doce. Marlière, que conhecia bem o território e possuía um relacionamento delicado com os Botocudos, respondeu prontamente. Ele providenciou doze canoas, além de víveres e o apoio de indígenas locais, para auxiliar na difícil tarefa de transportar as pesadas máquinas rio acima.

Essa aliança entre engenheiros, colonizadores e indígenas tornou possível a continuação da viagem através do Watú. A expedição, repleta de riscos e desafios, marca um dos momentos mais icônicos na história industrial de Minas Gerais, simbolizando a convergência entre tecnologia europeia e o profundo conhecimento do território pelos povos indígenas.

A Viagem do Martelo foi mais do que uma jornada logística; foi uma travessia pelo coração selvagem do Brasil, em um cenário onde a natureza, os desafios humanos e as culturas ancestrais se entrelaçavam.