Daniela Gomes – mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais

Mais de 90 dias cumprindo isolamento físico em casa (recuso-me fazer isolamento social, gosto de gente!), saí pouquíssimas vezes, quando necessário. Hoje foi uma delas. Uma saída rápida que escancarou diante dos meus olhos a trágica realidade de quem é, convenientemente, inviabilizado pelo Estado e pela sociedade.

Foi devastador ver a senhora acampada na calçada do condomínio. Exposta a todo tipo de mazela; ao coronavírus; à sordidez de uma sociedade que joga contra as políticas públicas inclusivas (perdi a conta dos inúmeros ataques ao Bolsa Família que presenciei nessa arena digital). Que apoia a pauperização do que é público, das instituições, dos direitos garantidos – lembro aqui da PEC do Teto dos Gastos que reduziu drasticamente investimentos em saúde e educação; da reforma da Previdência; do desmonte das políticas de proteção social.

Se o acampamento de pessoas em situação de rua chegou aos bairros residenciais de classe média da zona Norte do Rio de Janeiro, dói pensar como andam as periferias, as favelas, as regiões historicamente vulnerabilizadas desse país. O interior. O sertão. As comunidades quilombolas e ribeirinhas. Os territórios indígenas.

São muitas evidências e estão por toda a parte. Não adianta esconder, manipular ou ignorar os dados, tão pouco a realidade. Não adianta esconder os mortos da Covid-19, o desemprego, a fome, a miséria. Não adianta aumentar os muros dos condomínios. Fechar a janela do carro. Não adianta dizer para pensar positivo e torcer pelo governo. Não adianta subverter conceitos e narrativas. Não adianta fechar os olhos e tapar os ouvidos. A vida real mostra, evidencia, desnuda, os trágicos resultados das políticas neoliberais impostas ao país nos últimos anos, excluindo, matando e corroendo a vida dos brasileiros expurgados do convívio social e condenados à indigência.