Dois amigos conversam sobre o que se passa no país prestes a completar 520 anos de descobrimento

– O que o Brasil é?

– Um teatro.

– Mas o que está acontecendo é absurdo.

– Sim, vivemos em um teatro do absurdo, mas um teatro.

– As instituições, a legalidade, a democracia, a oposição…

– Meu caro, Bolsonaro sabe interpretar apenas dois papéis: um é o que eu chamo do  Chacrinha*, aquele que veio para confundir. Na ausência de projeto e de soluções, inventa algum escape, sempre, um modo de diversão, daí podermos chamar sua estratégia de diversionismo.

– O segundo é o de Chantagista, ameaça o golpe e o endurecimento para sanear o País e salvar nosso povo dos comunistas e da esquerda (qualquer um, até o Doria cabe no papel do antagonista “de esquerda”). Com esse personagem, mais do que fazer cena, ele alimenta a lógica da sua plateia. Todo aquele que encarna a civilização, vira um bacalhau que ele lança, alegremente, para deleite do seu auditório, como fazia o Velho Guerreiro.

– Mas você não acha que pode haver um golpe?

– Pode, se for bom para ele, se tiver apoio, porque oposição não haverá e nem instituições que lutem contra ele.

– Mas você acha que o golpe é bom para ele?

– No atual momento, não. Ele não precisa deste golpe de que você fala, porque está dando muito certo os outros golpes que vem praticando. Impunemente.

– Então, não temos saída?

– Potencialmente, teríamos, mas, no concreto do Brasil de agora, não há saída à vista, a não ser aquela que o facínora, parte dos milicos, parte da elite e dos seus macacos de auditório** querem. Estamos nas mãos deles. Nunca estivemos tão próximos de tornar verdadeira a chacota: “democracia é quando eu mando em você; ditadura é quando você manda em mim.”

– E o que podemos fazer?

– Nos rebelarmos, partir para cima, com tudo, com a faca no dente.  

– Mas quem está disposto a isso?

– Ninguém, quase.

– Falta um líder?

– Sim. Só temos picaretas, gente com o rabo preso, um monte de interesseiros e um bando de ególatras e pseudoprogressistas que estão no comando de uns partidos e instituições esfarinhadas.  

– Quem tem a gana não tem a grana?  

– Isto mesmo, meu garoto!

– Quem poderia encará-lo?

– Zumbi, Chico Mendes, Brizola, gente dessa estatura. Ah, o Papa Francisco também, se ele não fosse Papa e fosse brasileiro. (O facínora treme de medo do Papa Francisco.)

– Só eles?

– Sim, só eles. Visionários, rebeldes, estrategistas, humanistas. Embotados de sangue revolucionário no peito. Não falo de revolução teórica, de manuais de esquerda. Falo de gente que não tem medo de educar o povo para que sejam, um dia, críticos dos seus próprios líderes.

– Aquele tipo de gente que não tem medo de morrer pela sua liberdade de divergir deles?

– Isso. Para vencer um facínora, só um herói que arraste uma turba movida pela utopia de que seus filhos tenham uma vida digna. Os líderes genuínos lutam pela melhoria da vida dos seus filhos e não para a sua geração!   

– Então, rezemos.

– Sim, rezemos, de joelhos, para que um desses espíritos heroicos desça e nos mova, de alguma forma, para a ação.

– Amém!

(*) Nada contra o Chacrinha, que fazia como ninguém o seu papel de animador de auditório.

(**) Nada contra os macacos e não tomem como uma expressão racista. A referência é para aqueles macacos treinados para repetir o que o treinador faz e rirem com os dentes para fora após se coçarem com as mãos, tal qual esses patetas histéricos que que pedem a ditadura nas ruas.

Zé das Graças, professor e jornalista.  Abril de 2020.