Na conferência de imprensa do anúncio da nova coalizão, Scholz declarou que o objetivo dos seus participantes é “política com alto impacto” e como completado pela outra co-líder do Partido Verde, Annalena Baerbock, “o grande desafio é criar mais progresso com uma mudança de paradigma capaz de criar coesão na sociedade alemã para transformar a economia do país em prol da neutralidade de impacto climático e articular por uma resposta comum da Europa contra a Emergência Climática”.
Entretanto, a mais importante parte do acordo que deve ser celebrada não só pela Alemanha mas por todo planeta é a nova dinâmica de integração total das demandas do Partido Verde em todas as áreas de políticas públicas do governo, do transporte à construção e agricultura, por exemplo, na proteção do clima global. Essa nova dinâmica será então posta em prática de imediato para habilitar a Alemanha a manter o aquecimento global abaixo dos 1.5C acima dos níveis pré-industriais.
Entre as principais medidas nesse propósito até 2030 estão: abandonar o uso de carvão, transitar a matriz energética alemã para 80% renovável com foco em energia eólica e solar, ampliar para toda europa a taxa de combustível aérea alemã, aumentar a capacidade ferroviária em 25%, colocar em circulação 15 milhões de veículos elétricos e avançar em temas sociais tais quais a facilitação da naturalização de imigrantes, o aumento do salário mínimo para EU 12/hora, criar 400 mil novas unidades de habitação social e legalizar o uso de cannabis (Deutsche Welle).
São grandes avanços, o abandono ao uso do carvão, por exemplo, foi adiantado 8 anos em comparação ao que havia estabelecido a coalizão liderada pelo Partido Democrata Cristão, encabeçado pela atual chanceler Angela Merkel e a qual o SPD pertencia como 2a liderança. Dessa vez, após ficar com 26% dos votos no parlamento contra os 24% dos Democratas Cristãos, o SPD agiu rapidamente para montar uma nova coalizão sem os conservadores que fosse capaz de avançar uma agenda centrada na justiça social e proteção do clima.
Outra notícia importante para a luta contra a Emergência Climática advinda da Europa essa semana foi a pesquisa da Ipsos MORI que mostrou que a Emergência Climática (40%) é hoje a principal razão para preocupação da população do Reino Unido, superando assim a pandemia do Covid-19 (27%) e o Brexit (22%). Outras informações importantes dessa pesquisa são que homens e mulheres apresentaram uma distribuição idêntica dentro da margem de erro na sua opinião sobre a preocupação climática (40% e 41% respectivamente) e que apoiadores do Partido Trabalhista e o Partido Conservador apresentaram a mesma opinião sobre o tema.
Surpreendente foi o fato de que as faixas etárias mais velhas da população apresentaram níveis de preocupação maiores sobre o clima do que as mais jovens. No grupo de 55 e acima, 47% das pessoas responderam que a Emergência Climática é a sua preocupação prioritária. Para o grupo de 35 até 54, 43%. E entre aqueles de 18 até 34, apenas 27%, é importante ressaltar que esse grupo apresentou “menos preocupações” sobre qualquer coisa.
Segundo Ralitsa Hiteva, pesquisadora sênior de políticas públicas na Escola de Business da Universidade de Sussex, “devemos aproveitar o momento para engajar as pessoas na re-imaginação de como o investimento em infraestrutura pode ser desenhado e usado de maneiras inovadoras que não sejam só amigáveis para o meio ambiente mas também mais inclusivas e justas.” Em linha com a pesquisa citada anteriormente, ela também afirma que “Pessoas mais velhas estão mais dispostas a pagar por investimentos em infraestrutura para melhorar a experiência das gerações futuras.”
Um mea culpa e também contradição ao senso comum de que as novas gerações estariam mais preocupadas e dispostas a se sacrificar pelo clima. Se essa informação for comprovada por futuras pesquisas, temos outro grande desafio pela frente, engajar cada vez mais os jovens, aqueles que deveriam ser os principais interessados em agir no tema. De toda forma podemos começar a observar um efeito positivo da COP26 em Glasgow na percepção da população do Reino Unido sobre o tema e um avanço importante e concreto na Alemanha, a principal democracia da Europa continental.
Essa mudança de dinâmica política em relação ao clima pode ser fortalecida por uma nova iniciativa liderada até o presente momento pela Costa Rica e a Dinamarca, o BOGA – Beyond Oil and Gas, brincadeiras à parte o acrônimo no Brasil, essa iniciativa ambiciosa tem como meta acelerar o abandono do uso de petróleo, gás e carvão antes do acordado na COP26 e por mais que envolva por enquanto pequenos países, redefinir o que conta como liderança climática por parte dos governos mundiais segundo Andrea Mesa, ministra do meio ambiente da Costa Rica.
Como bem colocou Dan Jorgensen, ministro do Clima e Energia da Dinamarca, “Nós estamos numa situação paradoxal nesse momento onde muitos países se comprometeram a se tornar neutras em relação ao uso de carbono mas estão continuando a planejar produzir petróleo e gás após as datas acordadas.” Começamos a ver na Europa, a saída do discurso para uma ação mais estrutural liderada em seu principal expoente pela Alemanha e em parceria com a América Latina como observado na última passagem do presidente Lula no continente e no BOGA. Essa nova dinâmica é a da ação e de um projeto de países que integre justiça social e sustentabilidade climática. Parabéns a nova coalizão que vai liderar a Alemanha, essa vitória é de todos nós que lutamos por uma sociedade mais justa e que proteja o clima.
Pedro Henrique de Cristo, Coordenador do NAVE-PT, Polímata, é professor-visitante de políticas públicas, desenho urbano e arquitetura na Universidad Eafit-Urbam, em Medellín, e na Universidad Diego Portales (UDP), em Santiago. MPP’11 Harvard
Fonte: Fervura <https://fervuranoclima.com.br/colunistas/a-alemanha-e-a-nova-dinamica-europeia-para-o-clima/> 25 de novembro de 2021